Meninas e meninos,
Recebi esta mensagem, em que pese o tom sarcástico, tem muito de verdade, e resolvi
compartilha-la, pois ao mesmo tempo onde vemos a valoração das coisas do campo,
a gastronomia regional, sendo levadas à sério, vemos também a salvaguardas em
relação ao vinho, por exemplo, e há ainda
mais, do outro lado da moeda.
O texto não veio assinado, mas em linhas gerais, creio que vários de nós, já passamos ou
conhecemos alguém , que passou por alguma das situações expostas.
Não corrigi o texto de propósito.
"Prezado Luis, quantotempo
Eu sou o Zé, teu colega de ginásio noturno, que chegava atrasado, porque o
transporte escolar do sítio sempre atrasava, lembra né? O Zé do sapato sujo?
Tinha professor e colega que nunca entenderam que eu tinha de andar a pé mais
de meia légua para pegar o caminhão por isso o sapato sujava.
Se não lembrou ainda eu te ajudo. Lembra do Zé Cochilo... hehehe, era eu. Quando
eu descia do caminhão de volta pra casa, já era onze e meia da noite, e com a
caminhada até em casa, quando eu ia dormi já era mais de meia-noite. De
madrugada o pai precisava de ajuda pra tirar leite das vacas. Por isso eu só
vivia com sono. Do Zé Cochilo você lembra né Luis?
Pois é. Estou pensando em mudar para viver ai na cidade que nem vocês. Não que seja
ruim o sítio, aqui é bom. Muito mato, passarinho, ar puro... Só que acho que
estou estragando muito a tua vida e a de teus amigos ai da cidade. To vendo
todo mundo falar que nós da agricultura familiar estamos destruindo o meio
ambiente.
Veja só. O sítio de pai, que agora é meu (não te contei, ele morreu e tive que parar
de estudar) fica só a uma hora de distância da cidade. Todos os matutos daqui
já têm luz em casa, mas eu continuo sem ter porque não se pode fincar os postes
por dentro uma tal de APPA que criaram aqui na vizinhança.
Minha água é de um poço que meu avô cavou há muitos anos, uma maravilha, mas um homem
do governo veio aqui e falou que tenho que fazer uma outorga da água e pagar
uma taxa de uso, porque a água vai se acabar. Se ele falou deve ser verdade, né
Luis?
Pra ajudar com as vacas de leite (o pai se foi, né .) contratei Juca, filho de um
vizinho muito pobre aqui do lado. Carteira assinada, salário mínimo, tudo
direitinho como o contador mandou. Ele morava aqui com nós num quarto dos
fundos de casa. Comia com a gente, que nem da família. Mas vieram umas pessoas
aqui, do sindicato e da Delegacia do Trabalho, elas falaram que se o Juca fosse
tirar leite das vacas às 5 horas tinha que receber hora extra noturna, e que
não podia trabalhar nem sábado nem domingo, mas as vacas daqui não sabem os
dias da semana ai não param de fazer leite. Ô, bichos aí da cidade sabem se
guiar pelo calendário?
Essas pessoas ainda foram ver o quarto de Juca, e disseram que o beliche tava 2 cm
menor do que devia. Nossa! Eu não sei como encumpridar uma cama, só comprando
outra né Luis? O candeeiro eles disseram que não podia acender no quarto, que
tem que ser luz elétrica, que eu tenho que ter um gerador pra ter luz boa no
quarto do Juca.
Disseram ainda que a comida que a gente fazia e comia juntos tinha que fazer parte do
salário dele. Bom Luis, tive que pedir ao Juca pra voltar pra casa,
desempregado, mas muito bem protegido pelos sindicatos, pelo fiscais e pelas
leis. Mas eu acho que não deu muito certo. Semana passada me disseram que ele
foi preso na cidade porque botou um chocolate no bolso no supermercado. Levaram
ele pra delegacia, bateram nele e não apareceu nem sindicato nem fiscal do
trabalho para acudi-lo.
Depois que o Juca saiu eu e Marina (lembra dela, né? casei) tiramos o leite às 5 e
meia, ai eu levo o leite de carroça até a beira da estrada onde o carro da
cooperativa pega todo dia, isso se não chover. Se chover, perco o leite e dou
aos porcos, ou melhor, eu dava, hoje eu jogo fora.
Os porcos eu não tenho mais, pois veio outro homem e disse que a distância do
chiqueiro para o riacho não podia ser só 20 metros. Disse que eu tinha que
derrubar tudo e só fazer chiqueiro depois dos 30 metros de distância do rio, e
ainda tinha que fazer umas coisas pra proteger o rio, um tal de digestor. Achei
que ele tava certo e disse que ia fazer, mas só que eu sozinho ia demorar uns
trinta dia pra fazer, mesmo assim ele ainda me multou, e pra poder pagar eu
tive que vender os porcos as madeiras e as telhas do chiqueiro, fiquei só com
as vacas. O promotor disse que desta vez, por esse crime, ele não ai mandar me
prender, mas me obrigou a dar 6 cestas básicas pro orfanato da cidade. Ô Luis,
ai quando vocês sujam o rio também pagam multa grande né?
Agora pela água do meu poço eu até posso pagar, mas tô preocupado com a água do rio.
Aqui agora o rio todo deve ser como o rio da capital, todo protegido, com mata
ciliar dos dois lados. As vacas agora não podem chegar no rio pra não sujar,
nem fazer erosão. Tudo vai ficar limpinho como os rios ai da cidade. A pocilga
já acabou, as vacas não podem chegar perto. Só que alguma coisa tá errada,
quando vou na capital nem vejo mata ciliar, nem rio limpo. Só vejo água fedida
e lixo boiando pra todo lado.
Mas não é o povo da cidade que suja o rio, né Luis? Quem será? Aqui no mato agora
quem sujar tem multa grande, e dá até prisão. Cortar árvore então, Nossa
Senhora!. Tinha uma árvore grande ao lado de casa que murchou e tava morrendo,
então resolvi derrubá-la para aproveitar a madeira antes dela cair por cima da
casa.
Fui no escritório daqui pedir autorização, como não tinha ninguém, fui no Ibama da
capital, preenchi uns papéis e voltei para esperar o fiscal vim fazer um laudo,
para ver se depois podia autorizar. Passaram 8 meses e ninguém apareceu pra
fazer o tal laudo ai eu vi que o pau ia cair em cima da casa e derrubei.
Pronto! No outro dia chegou o fiscal e me multou. Já recebi uma intimação do
Promotor porque virei criminoso reincidente. Primeiro foi os porcos, e agora foi o pau. Acho que desta vez vou ficar preso.
Tô preocupado Luis, pois no rádio deu que a nova lei vai dá multa de 500 a 20 mil reais por
hectare e por dia. Calculei que se eu for multado eu perco o sítio numa semana.
Então é melhor vender, e ir morar onde todo mundo cuida da ecologia. Vou para a
cidade, ai tem luz, carro, comida, rio limpo. Olha, não quero fazer nada
errado, só falei dessas coisas porque tenho certeza que a lei é pra todos.
Eu vou morar ai com vocês, Luis. Mais fique tranqüilo, vou usar o dinheiro da
venda do sítio primeiro pra comprar essa tal de geladeira. Aqui no sitio eu
tenho que pegar tudo na roça. Primeiro a gente planta, cultiva, limpa e só
depois colhe pra levar pra casa. Ai é bom que vocês e só abrir a geladeira que
tem tudo. Nem dá trabalho, nem planta, nem cuida de galinha, nem porco, nem
vaca é só abri a geladeira que a comida tá lá, prontinha, fresquinha, sem
precisá de nós, os criminosos aqui da roça.
Até mais Luis.
Ah, desculpe Luis, não pude mandar a carta com papel
reciclado pois não existe por aqui, mas me aguarde até eu vender o sítio.
Até o próximo brinde!
Álvaro Cézar Galvão
Recebi esta mensagem, em que pese o tom sarcástico, tem muito de verdade, e resolvi
compartilha-la, pois ao mesmo tempo onde vemos a valoração das coisas do campo,
a gastronomia regional, sendo levadas à sério, vemos também a salvaguardas em
relação ao vinho, por exemplo, e há ainda
mais, do outro lado da moeda.
O texto não veio assinado, mas em linhas gerais, creio que vários de nós, já passamos ou
conhecemos alguém , que passou por alguma das situações expostas.
Não corrigi o texto de propósito.
"Prezado Luis, quantotempo
Eu sou o Zé, teu colega de ginásio noturno, que chegava atrasado, porque o
transporte escolar do sítio sempre atrasava, lembra né? O Zé do sapato sujo?
Tinha professor e colega que nunca entenderam que eu tinha de andar a pé mais
de meia légua para pegar o caminhão por isso o sapato sujava.
Se não lembrou ainda eu te ajudo. Lembra do Zé Cochilo... hehehe, era eu. Quando
eu descia do caminhão de volta pra casa, já era onze e meia da noite, e com a
caminhada até em casa, quando eu ia dormi já era mais de meia-noite. De
madrugada o pai precisava de ajuda pra tirar leite das vacas. Por isso eu só
vivia com sono. Do Zé Cochilo você lembra né Luis?
Pois é. Estou pensando em mudar para viver ai na cidade que nem vocês. Não que seja
ruim o sítio, aqui é bom. Muito mato, passarinho, ar puro... Só que acho que
estou estragando muito a tua vida e a de teus amigos ai da cidade. To vendo
todo mundo falar que nós da agricultura familiar estamos destruindo o meio
ambiente.
Veja só. O sítio de pai, que agora é meu (não te contei, ele morreu e tive que parar
de estudar) fica só a uma hora de distância da cidade. Todos os matutos daqui
já têm luz em casa, mas eu continuo sem ter porque não se pode fincar os postes
por dentro uma tal de APPA que criaram aqui na vizinhança.
Minha água é de um poço que meu avô cavou há muitos anos, uma maravilha, mas um homem
do governo veio aqui e falou que tenho que fazer uma outorga da água e pagar
uma taxa de uso, porque a água vai se acabar. Se ele falou deve ser verdade, né
Luis?
Pra ajudar com as vacas de leite (o pai se foi, né .) contratei Juca, filho de um
vizinho muito pobre aqui do lado. Carteira assinada, salário mínimo, tudo
direitinho como o contador mandou. Ele morava aqui com nós num quarto dos
fundos de casa. Comia com a gente, que nem da família. Mas vieram umas pessoas
aqui, do sindicato e da Delegacia do Trabalho, elas falaram que se o Juca fosse
tirar leite das vacas às 5 horas tinha que receber hora extra noturna, e que
não podia trabalhar nem sábado nem domingo, mas as vacas daqui não sabem os
dias da semana ai não param de fazer leite. Ô, bichos aí da cidade sabem se
guiar pelo calendário?
Essas pessoas ainda foram ver o quarto de Juca, e disseram que o beliche tava 2 cm
menor do que devia. Nossa! Eu não sei como encumpridar uma cama, só comprando
outra né Luis? O candeeiro eles disseram que não podia acender no quarto, que
tem que ser luz elétrica, que eu tenho que ter um gerador pra ter luz boa no
quarto do Juca.
Disseram ainda que a comida que a gente fazia e comia juntos tinha que fazer parte do
salário dele. Bom Luis, tive que pedir ao Juca pra voltar pra casa,
desempregado, mas muito bem protegido pelos sindicatos, pelo fiscais e pelas
leis. Mas eu acho que não deu muito certo. Semana passada me disseram que ele
foi preso na cidade porque botou um chocolate no bolso no supermercado. Levaram
ele pra delegacia, bateram nele e não apareceu nem sindicato nem fiscal do
trabalho para acudi-lo.
Depois que o Juca saiu eu e Marina (lembra dela, né? casei) tiramos o leite às 5 e
meia, ai eu levo o leite de carroça até a beira da estrada onde o carro da
cooperativa pega todo dia, isso se não chover. Se chover, perco o leite e dou
aos porcos, ou melhor, eu dava, hoje eu jogo fora.
Os porcos eu não tenho mais, pois veio outro homem e disse que a distância do
chiqueiro para o riacho não podia ser só 20 metros. Disse que eu tinha que
derrubar tudo e só fazer chiqueiro depois dos 30 metros de distância do rio, e
ainda tinha que fazer umas coisas pra proteger o rio, um tal de digestor. Achei
que ele tava certo e disse que ia fazer, mas só que eu sozinho ia demorar uns
trinta dia pra fazer, mesmo assim ele ainda me multou, e pra poder pagar eu
tive que vender os porcos as madeiras e as telhas do chiqueiro, fiquei só com
as vacas. O promotor disse que desta vez, por esse crime, ele não ai mandar me
prender, mas me obrigou a dar 6 cestas básicas pro orfanato da cidade. Ô Luis,
ai quando vocês sujam o rio também pagam multa grande né?
Agora pela água do meu poço eu até posso pagar, mas tô preocupado com a água do rio.
Aqui agora o rio todo deve ser como o rio da capital, todo protegido, com mata
ciliar dos dois lados. As vacas agora não podem chegar no rio pra não sujar,
nem fazer erosão. Tudo vai ficar limpinho como os rios ai da cidade. A pocilga
já acabou, as vacas não podem chegar perto. Só que alguma coisa tá errada,
quando vou na capital nem vejo mata ciliar, nem rio limpo. Só vejo água fedida
e lixo boiando pra todo lado.
Mas não é o povo da cidade que suja o rio, né Luis? Quem será? Aqui no mato agora
quem sujar tem multa grande, e dá até prisão. Cortar árvore então, Nossa
Senhora!. Tinha uma árvore grande ao lado de casa que murchou e tava morrendo,
então resolvi derrubá-la para aproveitar a madeira antes dela cair por cima da
casa.
Fui no escritório daqui pedir autorização, como não tinha ninguém, fui no Ibama da
capital, preenchi uns papéis e voltei para esperar o fiscal vim fazer um laudo,
para ver se depois podia autorizar. Passaram 8 meses e ninguém apareceu pra
fazer o tal laudo ai eu vi que o pau ia cair em cima da casa e derrubei.
Pronto! No outro dia chegou o fiscal e me multou. Já recebi uma intimação do
Promotor porque virei criminoso reincidente. Primeiro foi os porcos, e agora foi o pau. Acho que desta vez vou ficar preso.
Tô preocupado Luis, pois no rádio deu que a nova lei vai dá multa de 500 a 20 mil reais por
hectare e por dia. Calculei que se eu for multado eu perco o sítio numa semana.
Então é melhor vender, e ir morar onde todo mundo cuida da ecologia. Vou para a
cidade, ai tem luz, carro, comida, rio limpo. Olha, não quero fazer nada
errado, só falei dessas coisas porque tenho certeza que a lei é pra todos.
Eu vou morar ai com vocês, Luis. Mais fique tranqüilo, vou usar o dinheiro da
venda do sítio primeiro pra comprar essa tal de geladeira. Aqui no sitio eu
tenho que pegar tudo na roça. Primeiro a gente planta, cultiva, limpa e só
depois colhe pra levar pra casa. Ai é bom que vocês e só abrir a geladeira que
tem tudo. Nem dá trabalho, nem planta, nem cuida de galinha, nem porco, nem
vaca é só abri a geladeira que a comida tá lá, prontinha, fresquinha, sem
precisá de nós, os criminosos aqui da roça.
Até mais Luis.
Ah, desculpe Luis, não pude mandar a carta com papel
reciclado pois não existe por aqui, mas me aguarde até eu vender o sítio.
Até o próximo brinde!
Álvaro Cézar Galvão
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