quarta-feira, 9 de março de 2011

Afinal o que é a “Fermentação” Malolática nos vinhos?


Meninas e meninos,
Falar sobre assunto tão técnico não é fácil, mas em virtude de algumas perguntas surgidas de leitores interessados e intrigados, e mesmo de amigos, vou tentar ser breve e objetivo.
Fala-se “fermentação” malolática, mas na verdade, não é um processo fermentativo e sim, um processo de degradação biológica provocado por bactérias, em especial a Leuconostoc, transformando o ácido málico em ácido lático, com o desprendimento de gás carbônico, o que provoca a impressão de que está ocorrendo uma fermentação. Talvez isso explique porque se fala em fermentação, inclusive em literaturas mais técnicas.
Na prática, o resultado é que a “fermentação” malolática reduz consideravelmente a acidez total dos vinhos e, conseqüentemente, aumenta o pH dos mesmos.
Bom, partindo do inicio, devemos distinguir o que sejam leveduras, enzimas e bactérias.
As leveduras são microorganismos que irão "transformar" o açúcar da uva em álcool e gás carbônico. Elas podem ser adicionadas ou não, sendo a adição o mais comum. Podem ser adicionadas logo após o recebimento das uvas, ou depois de alguma maceração pré-fermentativa.Enzimas derivam de fungos e bactérias e existem aos milhares, e são encontradas em todos os tipos de células vivas, são biodinamizadores, estão presentes em todas as reações metabólicas que alimentam os sistemas de vida. Sem elas, a nossa existência certamente seria bem diferente, e não são todas as vinícolas que as adicionam. Pode ser adicionada para os mostos brancos para ajudar na decantação (débourbage), para melhorar o rendimento das uvas, auxilia na extração de aromas, e melhora a cor de vinhos tintos. Como há diversos tipos de enzimas, elas podem ser adicionadas desde o momento de recebimento das uvas, até depois da fermentação, sendo o mais comum adicionar junto com o recebimento. Tanto as leveduras, as bactérias (organismo vivo), como as enzimas (não é organismo, é um composto químico) estão presentes nas uvas. As enzimas muitas vezes em quantidades não suficientes, e as leveduras podem ser de outras "espécies" (o termo correto é cepa, mas talvez assim fique mais fácil de compreender) que não são interessantes para o vinho, pois podem causar problemas.
Já as bactérias, no nosso caso as lácticas, são microrganismos muito diferentes das leveduras, e que após o processo traz mudanças sensoriais em sabor e olfato, reduzindo a acidez em vinhos com teor alto de polifenóis, ajuda a minorar o amargor e causa menor adstringência, sendo uma importante mudança, a formação do diacetil, um certo amanteigado, reagindo também com outros componentes dicarbonilados e com o enxofre de certos aminoácidos para a formação de aromas de avelã, chocolate, queijo, pipoca e noz-moscada.
As bactérias lácticas também podem produzir alguns ésteres que contribuem positivamente no aroma do vinho. O lactato de etila, por exemplo, é descrito como aroma de frutas frescas, sendo formado a partir da reação do ácido láctico com o álcool etanol aumentando o caráter frutado. Outro éster importante é o succinato de dietila, o qual influencia muito o vinho, pois tem aroma adocicado. Sua formação é a partir da reação do ácido succínico com moléculas de etanol.
Todas essas reações e efeitos positivos durante a “fermentação” malolática, só ocorrerão caso se tenham certos cuidados. É aconselhável, para a realização de uma completa malolática, a adição de bactérias selecionadas em dosagens aproximadamente de 1 grama por 100 litros de vinho, além do controle dos seguintes fatores:
a) Adição de dióxido de enxofre – as dosagens devem ser pequenas, pois as bactérias lácticas são sensíveis a esse produto.b) Presença de nutrientes – as bactérias necessitam nutrientes para colaborarem nas conversões.c) Oxigênio - A ausência estimula a fermentação malolática. d) Temperatura – A temperatura ótima é de 20 a 37ºC, já que em temperaturas abaixo dos 15ºC o crescimento é inibido.
Espero não ter sido tão técnico que tenha tirado o encantamento da questão!

Agradeço à enóloga Marcela Mariani, à Revista de Vinhos de Portugal, e Embrapa pelas partes mais técnicas aqui descritas.
Até o próximo brinde!

Álvaro Cézar Galvão

6 comentários:

Vinho Todos os Dias disse...

ótima matéria, sempre ouço falar em fermentação, mas aprendi que seria uma "conversão". Agora lendo o texto ficou mais esclarecido ainda

Jose'Lúcio Natali disse...

Enfim uma descrição técnica que pode ser entendida por um simples mortal. Muito bom

Álvaro Cézar Galvão disse...

Obrigado amigo.
Se você gostou, creio que cumpri com o que almejava.Não queria parecer professoral em assunto complexo.
Abraços de luz

Álvaro Cézar Galvão disse...

Obrigado Vinho Todos os Dias.

SaltaRoscas disse...

Antes de mais, parabéns pelo excelente artigo. Gostaria de saber se existe algum meio para se determinar quando termina a fermentação malolática? Obrigado

Álvaro Cézar Galvão disse...

Como não tenho seu nome, fica de forma genérica a resposta que obtive de um artigo do amigo André Logaldi
"Para se ter controle total sobre a Fermentação alcoólica, já que pode ocorrer de maneira até inesperada, é fundamental que sejam bem observados fatores como acidez, álcool (bactérias são mortalmente sensíveis a teores acima de 14%), temperatura, aeração, tempo de cuba (maceração) e doses de sulfitos (que em excesso inibem a malolática)".
Acho interessante que testes de laboratório, digo eu, podem exibir o resultado da transformação doa ácidos citados, e não restando o málico, tem-se finda esta reação.